Vale a pena investir na China?

André Falcão, CGA
Economista
28/6/2021

É muito provável que você já tenha escutado que a China será a nova potência mundial, desbancando a hegemonia dos Estados Unidos. No mundo dos investimentos, essa narrativa tem ganhado cada vez mais força e sendo utilizada para incentivar investidores a se posicionar no país asiático. 

Se você concorda com essa tese, nesse artigo iremos trazer alguns pontos que podem fazer com que você mude de ideia. 

Responderemos grandes questões que surgem para o investidor que considera se posicionar no país asiático:

  1. Por que a China cresceu tanto?
  2. O crescimento chinês terá um fim?
  3. Podemos confiar nos dados chineses? 
  4. Afinal, vale a pena investir na China? 

Leia até o final e tire suas próprias conclusões.

Como a China cresceu tanto?

No gráfico abaixo podemos ter uma noção do impressionante crescimento do PIB (ou GDP em inglês) apresentado pela China. De fato, ano após ano a China vem se aproximando cada vez mais do líder mundial, os EUA.

Fonte: World Bank

Por outro lado, o PIB per capita, que mede o PIB do país dividido pela população, mostra ainda um longo caminho que a China deve percorrer até alcançar os EUA no ponto de vista da sua população. Ou seja, boa parte do poder econômico que a China vem ganhando nos últimos anos se deve a seu tamanho populacional, afinal, estamos falando de um país com cerca de 1,4 bilhões de pessoas.


GDP per capita (current US$) - China, United States Fonte: World Bank

Já na figura a seguir podemos ver que a China consumiu mais cimento em 3 anos do que os EUA em todo o século XX. Será o sinal de uma economia em crescimento pungente?


Infographic: Comparing China's Concrete Usage in the 20th and 21st Centuries - Making the Modern World by Vaclav Smil, Book Review | GatesNotes.com The Blog of Bill Gates


Pode ser que sim, mas é inegável que também parece um sinal de um crescimento não saudável, provavelmente sem base em fundamentos reais e sim em um exagerado gasto governamental. 

De fato, prova disso é que boa parte desse consumo foi destinado a criação de bairros e cidades planejadas. Porém, há inúmeros relatos de que esses locais continuam, em grande parte, desocupados ou com uma baixa taxa de ocupação, simplesmente porque as pessoas não desejam morar nesses lugares. 

Dinheiro destinado a algo que não agrega para as pessoas, apesar de ser contabilizado no PIB, não tende a fazer diferença real no longo prazo.


O crescimento Chinês terá um fim?

Essa não é uma questão simples, mas existem alguns indicadores que mostram que a economia chinesa pode passar por momentos mais complicados à frente. Nesse tópico entenderemos algumas questões importantes sobre a economia do país e o momento do ciclo econômico em que ela se encontra.

Primeiramente, é importante observar que dados recentes apontam para o primeiro encolhimento populacional desde 1961. Uma queda continuada da população pode ser desastrosa para o país nas próximas décadas, já que a China depende da mão de obra abundante para manter sua atratividade para as indústrias. 

Além do que, um envelhecimento populacional pode desencadear problemas previdenciários, especialmente tendo em vista que o país ainda não está classificado como desenvolvido na ótica per capita. Com isso, a China voltou atrás na sua política de filho único, liberando que as famílias tenham até 3 filhos. 

Ainda nesse tema, no cenário global, a Índia está prestes a passar a China como o país mais populoso do mundo. Sob esse aspecto, é possível que vejamos uma maior importância à Índia nos próximos anos, dado que o país passará a ser um dos maiores mercados consumidores do mundo e também vem apresentando elevadas taxas de crescimento do PIB nos últimos anos.

Já no cenário econômico atual, cresce a preocupação com o chamado Shadow Banking na China. A grosso modo, esse é um sistema paralelo de financiamento que surge como alternativas ao mercado bancário tradicional e que não está sujeito a supervisão regulatória. O Shadow Banking também se refere a intermediários como hedge funds, alguns veículos de investimentos estruturados e derivativos não listados.

O ponto é, esse sistema gera grande dúvidas quanto a solidez do seu funcionamento, daí o nome “shadow”. Por estarem operando sem a regulamentação bancária, não há como garantir que o risco de crédito e o controle de alavancagem desses agentes estão sendo feitos corretamente. 

Vale lembrar que a presença do shadow banking não é algo exclusivo da China. Os EUA, por exemplo, possuem grande representatividade desse setor no seu mercado financeiro. Inclusive, muitos estudos argumentam que a atual estrutura complexa do sistema financeiro global, incluindo o shadow banking, foi um dos fatores que fez com que a crise de financeira dos EUA iniciada em 2007 adquirisse um caráter sistêmico e se alastrasse pelo mundo com grandes proporções.

Introduzida a questão, o que chama a atenção para a China não é apenas a presença relevante do shadow banking, mas sim seu rápido crescimento em comparação com qualquer outro País. No gráfico abaixo podemos ver que entre 2010 e 2017 o shadow banking Chinês cresceu a uma média de 58,1% ao ano. Nos EUA, para comparação, o crescimento médio foi de 0,8% a.a. 

 Fonte: Fitch Ratings

O crescimento desse sistema paralelo levanta muitos receios quanto à segurança do sistema financeiro chinês como um todo. Uma possível crise de crédito pode tomar grandes proporções ao se deparar com instituições que não estão preparadas para lidar com uma explosão de calotes.

Falando em crise de crédito, no gráfico abaixo temos o crédito para o setor não financeiro como % do PIB para a China, Espanha e Japão. Os pontos máximos nos gráficos do Japão e Espanha coincidiram com o estouro da bolha no mercado de ações Japonês em 1991 e a do mercado de moradias na Espanha por volta de 2008. 

Para se ter ideia da dimensão do que estamos falando, o Nikkei 225, índice acionário japonês, rendeu apenas cerca de 20% desde 1991 até maio de 2021.



Credit to Private non-financial sector from All sectors at Market value - Percentage of GDP - Adjusted for breaks (Fonte: https://www.bis.org)

No gráfico também fica nítido que esse indicador para a China está em patamares muito elevados, o que, como vimos, pode ser um mau presságio.

Para entender melhor, vale falar um pouco sobre ciclos na economia. Por mais que alguns governos se neguem a aceitar, a economia anda em ciclos, alternando entre expansão e contração. Sem dúvida, um dos ciclos mais importantes é o de crédito, o qual temos ilustrado abaixo.


Fonte: Better Dwelling.

Em etapas, conforme o gráfico, comumente tem-se o seguinte processo de um ciclo de crédito:

  1. Em dado momento a economia entra em um período de prosperidade;
  2. são poucas as más notícias e os riscos parecem ter diminuído;
  3. sendo assim, a aversão ao risco desaparece e as instituições financeiras expandem seus negócios, emprestando mais;
  4. para competir pelo mercado e aumentar o número de empréstimos, as exigências diminuem;
  5. em determinado momento, tomadores de empréstimo sem estrutura ou com projetos inconsistentes acabam recebendo dinheiro e não conseguem quitar suas dívidas;
  6. nesse ponto, os credores desanimam com o mercado, a aversão ao risco aumenta;
  7. há menos capital disponível e empresas não conseguem financiamento;
  8. inicia-se um processo de retração econômica.

Vários os indicadores apontam que a China se encontra mais próxima do final desse ciclo. Esse é um dos principais motivos pelo qual os investidores deveriam estar receosos com a China.

Podemos confiar nos dados Chineses? 

A China é um país fechado e com baixos índices de governança. Há muitas dúvidas sobre a confiabilidade dos dados econômicos e financeiros divulgados pelo país e suas empresas. Isso, por si só, já diz muito sobre um dos motivos que deixam alguns investidores preocupados ao se posicionar no país. 

Para se ter ideia, observe o gráfico abaixo que acompanha a variação de “Voice and Accountability”, um indicador que mede a liberdade de expressão, transparência e possibilidade de escolher seus governantes, feito pelo Worldwide Governance Indicators, do Banco Mundial para quase todos os países do globo. 

Fonte: The Worldwide Governance Indicators – World Bank


No gráfico, um bom resultado é indicado pela unidade de medida +2,5 e um resultado muito ruim é representado por -2,5. Perceba que a China possui um resultado que está entre os piores do mundo, com -1,6. O Brasil, a título de comparação, possui o índice 0,36 e os EUA, 0,97.

Transparência é essencial para que o investidor possa entender bem em que está investindo para que tenha ciências dos riscos envolvidos. É evidente que a China se encontra abaixo dos patamares aceitáveis e no caso de um país, isso pode envolver, por exemplo, dados econômicos que não passem por processos significativos de auditoria.

Por outro lado, não há muitas alternativas que não usar os dados que temos disponíveis para o País, mas é preciso ter ciência desse problema e analisar e cruzar a maior quantidade de dados possíveis antes de tomar uma decisão.

Afinal, vale a pena investir na China? 

Por mais que seja impossível saber se a China realmente se encontra prestes a ter uma crise de crédito, essa possibilidade já deveria ser o suficiente para desestimular o investimento no país. Além, é claro, de todos os problemas de governança e transparência que merecem um segundo artigo. 

É importante que o investidor não se deixe levar pelo FOMO - o medo de ficar de fora - e invista naquilo que conhece e acredita, não no que parece maravilhoso e possui uma narrativa atrativa. 

Seguir esse caminho pode até fazer com que os rendimentos da sua carteira sejam reduzidos no curto prazo, mas, para o investidor de longo prazo, o mais importante, antes de tudo, deve ser a preservação de capital e tranquilidade com as suas escolhas, o retorno virá como consequência disso.

Uma ferramenta que permite o investidor brasileiro investir em empresas de outros países é o BDR (Brazilian Depositary Receipts).



Fontes:

SciELO - Brasil - A crise financeira e o global shadow banking system

Have you hugged a concrete pillar today? | Bill Gates (gatesnotes.com)

Global Shadow Banking Growth Increases Systemic Risks (fitchratings.com)

Shadow banking is now a $52 trillion industry and posing risks (cnbc.com)

China's Shadow Banking: Bank’s Shadow and Traditional Shadow Banking (bis.org)

Understanding How The Credit Cycle Impacts Canadian Real Estate Prices | Better Dwelling

A verdadeira história das cidades fantasmas da China | Mundo | G1 (globo.com)

WGI 2020 Interactive > Home (worldbank.org)

GDP (current US$) - China, United States | Data (worldbank.org)

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