Panorama do Mercado - Julho 2024

André Falcão, CGA
Economista
15/7/2024

A instabilidade do Real

A valorização do dólar em relação ao real tem se tornado uma preocupação crescente, e diversos fatores contribuem para esse movimento. Em junho, o real sofreu uma alta significativa, mas em julho, observou-se uma queda acentuada. Primeiramente, os juros altos nos Estados Unidos desempenham um papel crucial. O Federal Reserve (FED), em sua tentativa de controlar a inflação e manter a economia estável, tem elevado as taxas de juros. Essa política monetária atrai investidores globais que buscam retornos mais altos, resultando em uma maior demanda por dólares. Como consequência, a moeda americana se valoriza em relação a outras, incluindo o real.

No Brasil, a perspectiva fiscal é negativa, o que agrava ainda mais a situação. A trajetória ascendente da dívida pública gera receio entre os investidores. A percepção de uma gestão fiscal insustentável aumenta a aversão ao risco, o que leva à depreciação do real. A preocupação com a capacidade do governo de honrar suas dívidas e controlar o déficit fiscal faz com que os investidores busquem refúgio em ativos mais seguros, como o dólar.

Estamos à beira de um ciclo vicioso que pode ter consequências graves para a economia. Para controlar a inflação e estabilizar a moeda, o Banco Central precisa manter os juros elevados. No entanto, isso aumenta o custo da dívida pública, que já está em níveis preocupantes. Paralelamente, os déficits elevados continuam a empurrar a dívida para cima, aumentando ainda mais o risco de inflação. Esse cenário leva à exigência de juros ainda mais altos devido ao aumento do risco percebido do Brasil. A cada aumento nos juros, o custo do serviço da dívida aumenta, o que pode levar a um ciclo difícil de quebrar.

Além disso, há o risco da dominância fiscal, um conceito que merece uma explicação mais detalhada. Dominância fiscal ocorre quando as políticas fiscais, ou seja, os gastos do governo, comprometem a capacidade do Banco Central de controlar a inflação. Em outras palavras, mesmo que o Banco Central adote uma política monetária restritiva, com juros altos para controlar a inflação, se o governo continuar a gastar de maneira desenfreada, esses esforços podem ser neutralizados. Isso cria um círculo vicioso onde a inflação persiste e a confiança dos investidores diminui, levando à desvalorização da moeda.

Recentemente, em resposta à desvalorização do real, o governo brasileiro, representado por Fernando Haddad, ministro da Fazenda, anunciou um plano para economizar cerca de 26 bilhões no orçamento público. Essa economia será obtida através de um pente fino nos gastos de programas sociais e gastos ministeriais. 

Este movimento foi um aceno do governo, mostrando preocupação com a situação fiscal. Provavelmente, a decisão foi tomada porque uma alta do dólar é altamente impopular e gera impacto imediato no bolso do brasileiro, como na alta de combustíveis e alimentos. No entanto, apesar de ser um passo na direção certa, essa medida não é suficiente para reverter a situação fiscal brasileira de maneira significativa.

Vale a pena o Banco Central utilizar as reservas para estabilizar o dólar?

A ideia de utilizar as reservas cambiais para estabilizar o dólar surge frequentemente em tempos de turbulência cambial. No entanto, essa abordagem pode trazer apenas um alívio de curto prazo e não resolve os problemas estruturais subjacentes. Apesar do Brasil possuir grandes reservas de dólares, elas são finitas e podem se esgotar rapidamente se forem utilizadas de maneira imprudente. Sem uma trajetória fiscal mais sustentável, qualquer intervenção no mercado cambial pode ser apenas um paliativo temporário.

Intervir no mercado cambial utilizando as reservas pode gerar uma falsa sensação de estabilidade. Essa prática pode levar o público a acreditar que a situação fiscal está sob controle quando, na verdade, os problemas estruturais permanecem. Além disso, a utilização excessiva das reservas pode reduzir a capacidade do Banco Central de responder a crises futuras. A dependência de intervenções cambiais para controlar a taxa de câmbio pode minar a credibilidade da política monetária e aumentar a percepção de risco do país.

Portanto, apesar da tentação de utilizar as reservas para estabilizar o dólar, essa não é uma solução viável a longo prazo. É fundamental que o governo adote medidas estruturais para melhorar a sustentabilidade fiscal e restaurar a confiança dos investidores. Somente assim será possível estabilizar a moeda de maneira duradoura e promover um ambiente econômico mais estável e previsível.

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Qual a solução para o fiscal brasileiro?

Para enfrentar os desafios econômicos atuais, o Brasil precisa adotar uma série de medidas concretas e efetivas. Primeiramente, é essencial que o governo apresente propostas que vão além do aumento da arrecadação por meio de impostos que já são elevados. O foco deveria estar no corte de gastos e no aumento da eficiência da máquina pública. Medidas que visem a redução do desperdício e a melhoria da gestão dos recursos públicos são fundamentais para alcançar uma trajetória fiscal sustentável.

A reforma administrativa e a reforma tributária, caso bem-feitas, são passos essenciais nesse processo. Idealmente, a reforma administrativa pode trazer mais eficiência ao setor público, reduzindo custos e melhorando a prestação de serviços. Já a reforma tributária pode simplificar o sistema tributário, reduzindo a burocracia para o setor produtivo, sem aumentar a carga tributária.

No curto prazo, analistas consideram essencial para aliviar a trajetória da dívida a desindexação do reajuste previdenciário ao salário mínimo, que desde 2023 foi alterado para crescer acima da inflação, retornando ao reajuste dos benefícios previdenciários apenas pela inflação. Sendo assim, haveria uma limitação também ao crescimento dos gastos previdenciários, que são uma parte muito significativa do orçamento público.

No entanto, a implementação dessa medida enfrenta grandes desafios no contexto político atual. Há uma forte resistência a mudanças que possam afetar os benefícios previdenciários adquiridos.

Adicionalmente, a melhoria da transparência fiscal e a adoção de práticas de gestão pública mais eficientes podem contribuir para um melhor controle das finanças públicas. A adoção de regras fiscais claras e o fortalecimento das instituições de controle e fiscalização também são passos importantes para garantir a sustentabilidade fiscal no longo prazo.

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O mercado exagerou no pessimismo?

A percepção do mercado brasileiro em relação à bolsa tem sido marcada por uma dose significativa de pessimismo nos últimos meses. No entanto, é importante avaliar se esse pessimismo é justificado ou se apresenta uma oportunidade para investidores mais arrojados.

É importante evitar seguir cegamente os consensos do mercado em momentos de incerteza. Muitas vezes surgem opiniões de que investir em ações não faz sentido ou que é necessário retirar todos os investimentos do Brasil. Essas conclusões são precipitadas e podem levar a decisões erradas.

Gráfico, Gráfico de linhasDescrição gerada automaticamente
Figura 1: Rentabilidade do Ibovespa nos últimos 12 meses

O destaque das últimas semanas foi a forte reação do mercado à simples sinalização de um corte de R$ 26 bilhões, que, como mencionado anteriormente, é pequeno frente ao tamanho da dívida brasileira. Após seis meses de queda, que totalizou cerca de -11% desde o topo histórico em dezembro de 2023, a bolsa recuperou uma parte dessa perda em menos de um mês, crescendo 7% do menor patamar do ano.

Não esperamos uma guinada do atual governo no sentido de controle fiscal. Mas também não parece provável o total descontrole, dado a pressão sofrida com a alta do dólar e a clareza que parece haver no país de que o tema fiscal é relevante. Independente disso, não podemos depender apenas de como o governo tomará suas decisões econômicas.

Acreditamos que, para investidores com perfil mais arrojado e visão de longo prazo, o mercado brasileiro ainda oferece boas oportunidades. Apesar das incertezas, o Brasil possui empresas de qualidade a preços atrativos. Para além dos múltiplos de preço sobre lucro que estão nas mínimas históricas e costumam indicar que as ações estão “baratas”. Também temos notado uma melhora na saúde financeira das empresas, mesmo em um cenário de juros altos. O múltiplo, Dívida Líquida/Ebitda caiu do patamar 2,2x em 2023 para 1,9x em 2024. Ou seja, as empresas estão reduzindo sua dívida em relação a geração de caixa.

GráficoDescrição gerada automaticamente com confiança baixa
Figura 2: Evolução da Dívida Líquida / Ebitda das empresas listadas (Fonte BTG, Bloomberg e Anbima)

No entanto, investir nesses ativos requer paciência e diligência. É fundamental realizar uma análise criteriosa das empresas e manter uma visão de longo prazo, estando preparado para enfrentar a volatilidade do mercado.

Além disso, é fundamental a dolarização de parte da carteira de investimentos. Apesar das fragilidades atuais do dólar, ele ainda é uma moeda superior e mais estável que o real. Todos os perfis de investidores se beneficiam ao alocar uma parcela de seus investimentos em ativos dolarizados, como renda fixa em dólar, ações americanas, ouro ou até mesmo bitcoin. Isso ajuda a reduzir o “risco Brasil” da sua carteira, oferecendo proteção contra a volatilidade do real e a instabilidade econômica local.

Em resumo, embora o pessimismo seja justificável diante dos desafios econômicos do País, ele também pode abrir portas para oportunidades de investimento atrativas. Com uma abordagem estratégica e cautelosa é possível encontrar boas opções de investimento na bolsa brasileira, mesmo em tempos de incerteza.

Biden será substituído? 

A possível substituição de Joe Biden como candidato presidencial pelo Partido Democrata em 2024 tem gerado intensos debates dentro do partido e entre os eleitores. A discussão ganhou força especialmente após o fraco desempenho de Biden no debate contra Donald Trump, o que levantou preocupações sobre sua capacidade de continuar na corrida presidencial.

Para que Biden seja substituído como candidato, ele precisaria voluntariamente retirar-se da corrida, algo que não é esperado que ocorra facilmente devido à sua personalidade e à trajetória política que o moldou. No entanto, se Biden decidisse se retirar, o processo para escolher um novo candidato seria complexo e inédito em tempos modernos. 

A substituição de Biden poderia trazer incertezas econômicas significativas. Primeiro, uma mudança de candidato poderia gerar volatilidade nos mercados financeiros, que geralmente reagem negativamente à incerteza política. Investidores podem adotar uma postura de esperar para ver, o que pode resultar em flutuações nos preços das ações e nos mercados de câmbio.

Além disso, a plataforma econômica do novo candidato seria crucial. Se o sucessor de Biden adotar políticas significativamente diferentes, especialmente em áreas como tributação, regulamentação e gastos governamentais, isso poderia levar a ajustes rápidos nas expectativas econômicas. Por exemplo, um candidato que proponha aumentar os impostos sobre corporações ou regulamentar mais rigidamente certos setores poderia gerar preocupações sobre a lucratividade futura das empresas, afetando o mercado de ações.

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