Panorama do Mercado - Outubro de 2024

André Falcão, CGA
Economista
15/10/2024

Melhora no rating de crédito do Brasil

O Grau de Investimento é um ótimo catalisador do crescimento de um país, já que ele concede um selo de “bom pagador”, o que dá mais segurança para os investidores internacionais. Conquistar esse selo é essencial para que o Brasil consiga recursos externos mais facilmente, consiga reduzir os juros elevados e assim ter uma trajetória de crescimento sustentável. 

Contudo, o Grau de Investimento é muito mais uma consequência que uma causa, para obtê-lo é preciso, em especial, que o País tenha uma dívida pública controlada.

Recentemente, a elevação do rating soberano do Brasil pela Moody’s, uma das principais agências internacionais de classificação de risco, colocou o País a um passo do Grau de Investimento. Entre outros fatores, a Moody’s justificou o aumento da nota de crédito pelo fortalecimento do Banco Central, melhoria na governança das estatais e a reforma trabalhista. Apesar da boa notícia, este movimento deve ser interpretado com atenção. 

Em seu relatório, a Moody’s também deixou claro que o aumento do rating foi impulsionado por uma expectativa de melhora gradual dos resultados fiscais, desde que o governo continue comprometido com a implementação de medidas para aumentar as receitas e controlar os gastos. Isso significa que o caminho para uma consolidação fiscal ainda é longo e repleto de desafios. O aumento das despesas obrigatórias continua a ser um obstáculo significativo para que o governo consiga realizar ajustes fiscais mais rápidos e eficazes.

Há uma outra questão crucial nesse debate. Embora o Brasil tenha conseguido avanços no crescimento do PIB e na redução do desemprego, essas melhorias estão ocorrendo em um contexto de aumento dos gastos governamentais, o que coloca em dúvida a sustentabilidade desse crescimento a longo prazo. Em outras palavras, a economia está se expandindo, mas o quanto dessa expansão é baseado em fundamentos sólidos? Ou estamos diante de um ciclo de crescimento temporário, sustentado por políticas fiscais que, no futuro, poderão se tornar insustentáveis? Essa é uma pergunta que precisa ser respondida com urgência. O Brasil já passou por ciclos semelhantes no passado, onde a euforia inicial de crescimento foi seguida por crises fiscais e desacelerações abruptas.

Embora a Moody’s tenha elevado o rating do país, é importante lembrar que essa melhoria não garante uma resolução automática dos problemas. A responsabilidade agora recai sobre o governo, que deve demonstrar compromisso com a estabilidade fiscal a longo prazo.

Saiba mais:

Por que o fiscal ainda preocupa?

A questão fiscal é, sem dúvida, o maior obstáculo para o Brasil alcançar uma trajetória de crescimento sustentável e o patamar de Grau de Investimento. Embora o governo tenha conseguido estabilizar a economia no curto prazo, o déficit público permanece elevado e a trajetória da dívida é alarmante. O Brasil enfrenta uma situação em que o aumento dos gastos obrigatórios, que hoje já representam mais de 90% das despesas primarias, cria uma pressão constante sobre o orçamento, limitando a capacidade do governo de adotar políticas fiscais mais flexíveis. Inclusive, as despesas obrigatórias também foram citadas pela Moody’s como um dos riscos ao cenário benigno imaginado pela agência.

GráficoDescrição gerada automaticamente
Figura 1: Resultado nominal do setor público (Elaboração: Poder 360)

Em agosto, o déficit nominal do Brasil atingiu o acumulado de mais de 1 trilhão de reais em 12 meses. Mesmo com o crescimento do PIB e a queda do desemprego, a dívida pública continua a aumentar, e sem uma reforma significativa, o Brasil corre o risco de entrar em uma espiral de endividamento. 

Atentos a isso, os Ministérios da Fazenda e do Planejamento anunciam uma “força-tarefa” para redução dos gastos. Aqui reproduzo as falas dos dois ministros que considero importante para entender o momento atual e a percepção do governo. 

"Chegou a hora para levar a sério a revisão de gastos. Não é possível mais apenas pelo lado da receita resolver o fiscal." – Simone Tebet (15/10/24).

"A soma das partes tem que caber no todo daqui para frente. Essa é a preocupação" – Fernando Haddad (16/10/24)

Temos que reconhecer que é um movimento da direção correta. Contudo, é impossível não destacar que essa visão lógica e em certa medida óbvia, demorou a ganhar força no governo.

Mas ainda temos um problema. Ainda não há clareza sobre de onde virão e qual será a magnitude dos cortes de gastos. Mas já foi estabelecido que o debate sobre o ganho real do salário mínimo e a vinculação do mesmo aos benefícios previdenciários está interditado pelo presidente. Sendo que esse último ponto é o maior responsável pela projeção de crescimento dos gastos públicos, podendo chegar a uma despesa extra de R$ 550 bilhões em 10 anos, de acordo com estimativas do economista Fabio Giambiagi, pesquisador associado do FGV Ibre.

A sustentabilidade fiscal do Brasil depende da capacidade do governo de realizar reformas estruturais profundas. Sem elas, o país seguirá em uma trajetória de aumento da dívida, comprometendo o crescimento a longo prazo. O déficit fiscal elevado é um dos principais obstáculos à estabilização da economia, e enquanto não for resolvido, o risco de crises fiscais persistirá. A consolidação fiscal é difícil, mas inevitável. O Brasil já viveu ciclos de crescimento descontrolado seguidos por crises fiscais severas, e o cenário atual repete esse padrão. No entanto, ainda é possível revertê-lo com cortes de gastos mais intensos.

Saiba mais:

O impacto nos preços 

O aumento do prêmio de risco nos ativos do Brasil é um reflexo direto das incertezas fiscais que cercam o país. Nos últimos meses, o governo foi forçado a emitir títulos públicos com taxas cada vez mais elevadas para atrair investidores. As NTNBs, títulos atrelados à inflação, chegaram a ser emitidas com taxas de IPCA + 6,8% ao ano, o que demonstra claramente a percepção de risco associada ao Brasil. 

Gráfico, HistogramaDescrição gerada automaticamente
Figura 2: Evolução das Taxas prefixadas das NTNBs (Tesouro IPCA+) | Elaboração BTG Pactual

No geral, essa nos parece uma oportunidade de investimento interessante, dado o alto retorno oferecido acima da inflação. No entanto, esse movimento também reflete um ambiente de maior risco, onde o governo precisa pagar mais para compensar a falta de confiança no equilíbrio fiscal a longo prazo

A relação entre o prêmio de risco e a situação fiscal do país é clara: quanto mais incerto o cenário fiscal, maior será o retorno exigido pelos investidores para aplicar em ativos brasileiros. Essa dinâmica cria um ciclo vicioso, em que o governo se vê obrigado a pagar juros mais altos, o que aumenta o custo da dívida pública e torna ainda mais difícil a tarefa de controlar o déficit fiscal. Embora os rendimentos dos títulos públicos sejam atraentes para investidores, o custo de sustentar esse nível de endividamento está ficando cada vez mais elevado para o País.

Embora estejamos em um contexto de queda de juros nos EUA, o que teoricamente favoreceria o Brasil ao tornar a renda fixa norte-americana menos atraente, o cenário interno não reflete essa vantagem. Mesmo com essa força externa positiva, que deveria valorizar o real e conter os juros futuros, temos observado o oposto: o dólar continua a subir, e a diferença entre os juros reais de 10 anos entre Brasil e EUA está se ampliando, indicando uma percepção crescente de risco em relação à situação fiscal brasileira.

Gráfico, Gráfico de linhasDescrição gerada automaticamente
Figura 3: Títulos do governo de longo prazo (NTNB35 vs. UST10Y) | Fonte: Bloomberg, BTG Pactual

Enquanto isso, o mercado acionário brasileiro continua operando em níveis baixos sob a ótica do P/L (preço sobre lucro). As ações estão sendo negociadas em patamares semelhantes aos observados durante a crise do Covid-19. Isso significa que, embora o Ibovespa tenha praticamente andado de lado desde o final de 2020, os lucros médios das empresas têm crescido, tornando o P/L bastante atrativo. 

Tela de celular com texto preto sobre fundo brancoDescrição gerada automaticamente com confiança baixa
Figura 4: Bovespa P/L 12 meses proj. (ex-Petr&Vale) | Elaboração BTG Pactual

Em suma, a disfunção fiscal do Brasil tem gerado boas oportunidades na renda fixa, que continua sendo o destaque para alocação, afinal estamos falando de uma Selic elevada (10,75% atualmente) e em títulos de IPCA que ultrapassam a taxa real de 6,5%. 

Contudo, para os mais arrojados, as ações ainda representam o maior potencial de retorno, dado seus valuations atuais. Claro, elas também envolvem mais riscos, mas são a classe que mais se beneficiariam de uma tão esperada melhora na trajetória fiscal do País.

Pacote de estímulos na China

Recentemente, o governo chinês anunciou um pacote de estímulos, incluindo a redução das taxas de juros de curto prazo e incentivos ao setor imobiliário, visando estimular a demanda interna e estabilizar os preços dos imóveis, que continuam em queda. Embora o mercado tenha reagido positivamente, com ações de construtoras chinesas em alta, a efetividade de longo prazo dessas medidas ainda é incerta. A economia chinesa está desacelerando, e as políticas atuais podem não ser suficientes para reverter essa tendência, especialmente considerando a crise no setor imobiliário, que continua sendo o ponto mais frágil.

GráficoDescrição gerada automaticamente
Figura 5: Variação ano contra ano de indicadores do mercado imobiliário chinês | Fonte Btg Pactual

O Banco Central da China (PBOC) também implementou medidas adicionais, como cortes nas taxas de juros e na taxa de compulsório, liberando cerca de 2 trilhões de yuans em dívida que serão direcionadas para impulsionar a economia. Apesar de essas ações poderem oferecer alívio no curto prazo, o impacto a longo prazo segue incerto. O PBOC flexibilizou ainda as regras para a compra de imóveis em cidades como Xangai e Pequim, mas, sem uma recuperação mais robusta do setor imobiliário, a economia chinesa continuará sob forte pressão.

Em nossa visão, com ou sem estímulos, o mercado chinês continua pouco atrativo para investimentos. Faltam características básicas que garantam segurança aos investidores, como a menor intervenção estatal e maior liberdade cambial.

Saiba mais:

Panorama do Mercado - Novembro/2024

Nesse relatório trouxemos nossa avaliação dos principais acontecimentos das últimas semanas envolvendo a economia e os mercados nacional e internacional
André Falcão, CGA
Economista

Panorama do Mercado - Setembro 2024

Nesse relatório trouxemos nossa avaliação dos principais acontecimentos das últimas semanas envolvendo a economia e os mercados nacional e internacional
André Falcão, CGA
Economista

Panorama do Mercado - Agosto 2024

Nesse relatório trouxemos nossa avaliação dos principais acontecimentos das últimas semanas envolvendo a economia e os mercados nacional e internacional
André Falcão, CGA
Economista

Panorama do Mercado - Julho 2024

Nesse relatório trouxemos nossa avaliação dos principais acontecimentos das últimas semanas envolvendo a economia e os mercados nacional e internacional
André Falcão, CGA
Economista

Panorama do Mercado - Junho 2024

Nesse relatório trouxemos nossa avaliação dos principais acontecimentos das últimas semanas envolvendo a economia e os mercados nacional e internacional
André Falcão, CGA
Economista

Panorama do Mercado - Maio 2024

Nesse relatório trouxemos nossa avaliação dos principais acontecimentos das últimas semanas envolvendo a economia e os mercados nacional e internacional
André Falcão, CGA
Economista