Melhora no rating de crédito do Brasil
O Grau de Investimento é um ótimo catalisador do crescimento de um país, já que ele concede um selo de “bom pagador”, o que dá mais segurança para os investidores internacionais. Conquistar esse selo é essencial para que o Brasil consiga recursos externos mais facilmente, consiga reduzir os juros elevados e assim ter uma trajetória de crescimento sustentável.
Contudo, o Grau de Investimento é muito mais uma consequência que uma causa, para obtê-lo é preciso, em especial, que o País tenha uma dívida pública controlada.
Recentemente, a elevação do rating soberano do Brasil pela Moody’s, uma das principais agências internacionais de classificação de risco, colocou o País a um passo do Grau de Investimento. Entre outros fatores, a Moody’s justificou o aumento da nota de crédito pelo fortalecimento do Banco Central, melhoria na governança das estatais e a reforma trabalhista. Apesar da boa notícia, este movimento deve ser interpretado com atenção.
Em seu relatório, a Moody’s também deixou claro que o aumento do rating foi impulsionado por uma expectativa de melhora gradual dos resultados fiscais, desde que o governo continue comprometido com a implementação de medidas para aumentar as receitas e controlar os gastos. Isso significa que o caminho para uma consolidação fiscal ainda é longo e repleto de desafios. O aumento das despesas obrigatórias continua a ser um obstáculo significativo para que o governo consiga realizar ajustes fiscais mais rápidos e eficazes.
Há uma outra questão crucial nesse debate. Embora o Brasil tenha conseguido avanços no crescimento do PIB e na redução do desemprego, essas melhorias estão ocorrendo em um contexto de aumento dos gastos governamentais, o que coloca em dúvida a sustentabilidade desse crescimento a longo prazo. Em outras palavras, a economia está se expandindo, mas o quanto dessa expansão é baseado em fundamentos sólidos? Ou estamos diante de um ciclo de crescimento temporário, sustentado por políticas fiscais que, no futuro, poderão se tornar insustentáveis? Essa é uma pergunta que precisa ser respondida com urgência. O Brasil já passou por ciclos semelhantes no passado, onde a euforia inicial de crescimento foi seguida por crises fiscais e desacelerações abruptas.
Embora a Moody’s tenha elevado o rating do país, é importante lembrar que essa melhoria não garante uma resolução automática dos problemas. A responsabilidade agora recai sobre o governo, que deve demonstrar compromisso com a estabilidade fiscal a longo prazo.
Saiba mais:
Por que o fiscal ainda preocupa?
A questão fiscal é, sem dúvida, o maior obstáculo para o Brasil alcançar uma trajetória de crescimento sustentável e o patamar de Grau de Investimento. Embora o governo tenha conseguido estabilizar a economia no curto prazo, o déficit público permanece elevado e a trajetória da dívida é alarmante. O Brasil enfrenta uma situação em que o aumento dos gastos obrigatórios, que hoje já representam mais de 90% das despesas primarias, cria uma pressão constante sobre o orçamento, limitando a capacidade do governo de adotar políticas fiscais mais flexíveis. Inclusive, as despesas obrigatórias também foram citadas pela Moody’s como um dos riscos ao cenário benigno imaginado pela agência.
Em agosto, o déficit nominal do Brasil atingiu o acumulado de mais de 1 trilhão de reais em 12 meses. Mesmo com o crescimento do PIB e a queda do desemprego, a dívida pública continua a aumentar, e sem uma reforma significativa, o Brasil corre o risco de entrar em uma espiral de endividamento.
Atentos a isso, os Ministérios da Fazenda e do Planejamento anunciam uma “força-tarefa” para redução dos gastos. Aqui reproduzo as falas dos dois ministros que considero importante para entender o momento atual e a percepção do governo.
"Chegou a hora para levar a sério a revisão de gastos. Não é possível mais apenas pelo lado da receita resolver o fiscal." – Simone Tebet (15/10/24).
"A soma das partes tem que caber no todo daqui para frente. Essa é a preocupação" – Fernando Haddad (16/10/24)
Temos que reconhecer que é um movimento da direção correta. Contudo, é impossível não destacar que essa visão lógica e em certa medida óbvia, demorou a ganhar força no governo.
Mas ainda temos um problema. Ainda não há clareza sobre de onde virão e qual será a magnitude dos cortes de gastos. Mas já foi estabelecido que o debate sobre o ganho real do salário mínimo e a vinculação do mesmo aos benefícios previdenciários está interditado pelo presidente. Sendo que esse último ponto é o maior responsável pela projeção de crescimento dos gastos públicos, podendo chegar a uma despesa extra de R$ 550 bilhões em 10 anos, de acordo com estimativas do economista Fabio Giambiagi, pesquisador associado do FGV Ibre.
A sustentabilidade fiscal do Brasil depende da capacidade do governo de realizar reformas estruturais profundas. Sem elas, o país seguirá em uma trajetória de aumento da dívida, comprometendo o crescimento a longo prazo. O déficit fiscal elevado é um dos principais obstáculos à estabilização da economia, e enquanto não for resolvido, o risco de crises fiscais persistirá. A consolidação fiscal é difícil, mas inevitável. O Brasil já viveu ciclos de crescimento descontrolado seguidos por crises fiscais severas, e o cenário atual repete esse padrão. No entanto, ainda é possível revertê-lo com cortes de gastos mais intensos.
Saiba mais:
- Deficit nominal fica acima de R$ 1 trilhão pelo 5º mês seguido (poder360.com.br)
- Haddad: Propostas para revisão de gastos serão suficientes para garantir "vida longa ao arcabouço fiscal" | Brasil | Valor Econômico (globo.com)
- Gasto com Previdência pode subir R$ 100 bi em 4 anos - 28/06/2024 - Mercado - Folha (uol.com.br)
- Chegou a hora de levar a sério a revisão de gastos, diz Tebet | CNN Brasil
O impacto nos preços
O aumento do prêmio de risco nos ativos do Brasil é um reflexo direto das incertezas fiscais que cercam o país. Nos últimos meses, o governo foi forçado a emitir títulos públicos com taxas cada vez mais elevadas para atrair investidores. As NTNBs, títulos atrelados à inflação, chegaram a ser emitidas com taxas de IPCA + 6,8% ao ano, o que demonstra claramente a percepção de risco associada ao Brasil.
No geral, essa nos parece uma oportunidade de investimento interessante, dado o alto retorno oferecido acima da inflação. No entanto, esse movimento também reflete um ambiente de maior risco, onde o governo precisa pagar mais para compensar a falta de confiança no equilíbrio fiscal a longo prazo
A relação entre o prêmio de risco e a situação fiscal do país é clara: quanto mais incerto o cenário fiscal, maior será o retorno exigido pelos investidores para aplicar em ativos brasileiros. Essa dinâmica cria um ciclo vicioso, em que o governo se vê obrigado a pagar juros mais altos, o que aumenta o custo da dívida pública e torna ainda mais difícil a tarefa de controlar o déficit fiscal. Embora os rendimentos dos títulos públicos sejam atraentes para investidores, o custo de sustentar esse nível de endividamento está ficando cada vez mais elevado para o País.
Embora estejamos em um contexto de queda de juros nos EUA, o que teoricamente favoreceria o Brasil ao tornar a renda fixa norte-americana menos atraente, o cenário interno não reflete essa vantagem. Mesmo com essa força externa positiva, que deveria valorizar o real e conter os juros futuros, temos observado o oposto: o dólar continua a subir, e a diferença entre os juros reais de 10 anos entre Brasil e EUA está se ampliando, indicando uma percepção crescente de risco em relação à situação fiscal brasileira.
Enquanto isso, o mercado acionário brasileiro continua operando em níveis baixos sob a ótica do P/L (preço sobre lucro). As ações estão sendo negociadas em patamares semelhantes aos observados durante a crise do Covid-19. Isso significa que, embora o Ibovespa tenha praticamente andado de lado desde o final de 2020, os lucros médios das empresas têm crescido, tornando o P/L bastante atrativo.
Em suma, a disfunção fiscal do Brasil tem gerado boas oportunidades na renda fixa, que continua sendo o destaque para alocação, afinal estamos falando de uma Selic elevada (10,75% atualmente) e em títulos de IPCA que ultrapassam a taxa real de 6,5%.
Contudo, para os mais arrojados, as ações ainda representam o maior potencial de retorno, dado seus valuations atuais. Claro, elas também envolvem mais riscos, mas são a classe que mais se beneficiariam de uma tão esperada melhora na trajetória fiscal do País.
Pacote de estímulos na China
Recentemente, o governo chinês anunciou um pacote de estímulos, incluindo a redução das taxas de juros de curto prazo e incentivos ao setor imobiliário, visando estimular a demanda interna e estabilizar os preços dos imóveis, que continuam em queda. Embora o mercado tenha reagido positivamente, com ações de construtoras chinesas em alta, a efetividade de longo prazo dessas medidas ainda é incerta. A economia chinesa está desacelerando, e as políticas atuais podem não ser suficientes para reverter essa tendência, especialmente considerando a crise no setor imobiliário, que continua sendo o ponto mais frágil.
O Banco Central da China (PBOC) também implementou medidas adicionais, como cortes nas taxas de juros e na taxa de compulsório, liberando cerca de 2 trilhões de yuans em dívida que serão direcionadas para impulsionar a economia. Apesar de essas ações poderem oferecer alívio no curto prazo, o impacto a longo prazo segue incerto. O PBOC flexibilizou ainda as regras para a compra de imóveis em cidades como Xangai e Pequim, mas, sem uma recuperação mais robusta do setor imobiliário, a economia chinesa continuará sob forte pressão.
Em nossa visão, com ou sem estímulos, o mercado chinês continua pouco atrativo para investimentos. Faltam características básicas que garantam segurança aos investidores, como a menor intervenção estatal e maior liberdade cambial.
Saiba mais:
- China anuncia novos estímulos fiscais, mas falta de detalhes frustra investidores | Economia | G1 (globo.com)
- China emitirá o equivalente a R$ 1,83 trilhão em títulos de dívida pública para tentar impulsionar economia (globo.com)