Panorama do Mercado
Por que a bolsa está em queda se o PIB está em alta?
A discrepância entre o desempenho do PIB e da bolsa de valores é uma questão recorrente no mercado financeiro. O PIB do Brasil apresentou um crescimento acima do esperado no primeiro trimestre de 2024, com resultado de 2,5% em 12 meses, acima da expectativa do mercado que era de 2,2%.
Porém, a bolsa de valores está em queda esse ano, acumulando resultado negativo de 9,63%. Isso ocorre porque a bolsa de valores não reflete diretamente o desempenho econômico de curto, mas sim as expectativas futuras dos investidores, e há diversos fatores que estão tornando essas expectativas pessimistas.
Assim, mesmo com um PIB acima do esperado este ano, se as perspectivas para economia, especialmente para os juros, nos próximos anos forem pessimistas, a bolsa tende a cair.
Vamos aprofundar esses fatores.
- Apesar de acima da previsão, 2,5% não é um PIB elevado. O Banco Mundial projeta 2,6% de crescimento para o PIB mundial em 2024, 4% para os emergentes e apenas 2% para o Brasil. Já há algum tempo estamos crescendo menos que o resto do mundo e sem perspectiva de melhora significativa.
- O PIB potencial não se alterou. O PIB potencial é a capacidade produtiva da economia sem gerar pressões inflacionárias. O crescimento dessa métrica indica que o país pode crescer mais e de forma sustentável no longo prazo.
- A maior parte do valor de uma empresa está no futuro e não no presente. Um semestre positivo, não tem o poder sozinho de alterar o valor de uma ação. Além dos fatores micro, as empresas se beneficiam quando o país consegue deixar os juros mais baixos de forma sustentável e fornece uma estrutura jurídica e tributária mais simplificada e sem tantos encargos.
- A incerteza fiscal e as expectativas em relação aos juros futuros têm um impacto significativo nas decisões de investimento. Recentemente, as discussões sobre a revisão da meta fiscal pelo governo e a possibilidade de aumento das taxas de juros para conter a inflação têm gerado preocupação entre os investidores. Esses fatores são muito mais relevantes para o valor das empresas do que o crescimento econômico pontual.
Saiba mais em:
- Fazenda trabalha com ‘PIB potencial’ entre 2% e 2,5%, diz secretário de política econômica (infomoney.com.br)
- Banco Mundial estima crescimento de 2% no PIB do Brasil em 2024 (poder360.com.br)
- PIB cresce acima do potencial o ano inteiro | Blog do IBRE (fgv.br)
O cenário brasileiro é realmente ruim?
Podemos resumir o cenário atual da seguinte forma:
Os juros estão muito altos, bem acima dos juros neutros, que é o juro que não estimula nem desacelera a economia. Isso significa que o custo de financiamento é elevado, desestimulando investimentos e consumo e, consequentemente, freando o crescimento econômico. Além disso, 0s últimos 2 meses foram de pioras expressivas na expectativa de juros. Em março, o boletim Focus previa que a Selic terminaria 2024 em 9% a.a., a projeção mais recente é a taxa que termine o ano em 10,25%.
A economia brasileira está passando por um cenário de desalinhamento entre a política fiscal e a monetária. A primeira é expansionista, com gastos elevados, e a segunda é contracionista, com juros altos. A falta de coordenação entre política fiscal e monetária pode gerar um cenário de volatilidade e incerteza. Onde nem os objetivos de crescimento são alcançados de forma sustentável, nem o objetivo de estabilidade da moeda é facilmente atingido. Isso, sem dúvidas, afeta negativamente o mercado financeiro.
Contudo, a inflação está relativamente controlada, o que é um ponto positivo. Mas dado o risco fiscal e os juros altos nos Estados Unidos, a Selic não tem tido espaço para quedas adicionais, já que isso poderia desencadear uma desvalorização ainda maior do câmbio, com a migração de recursos para os EUA de juros a 5,5% a.a. e a volta da inflação.
O que precisa acontecer para a bolsa subir?
Para que a bolsa volte a subir, é necessário que os juros nos EUA caiam, aliviando a pressão sobre os mercados emergentes, incluindo o Brasil, e tornando os ativos locais mais atrativos. É claro, no Brasil, uma indicação de controle fiscal também seria bem-vinda para o mercado de ações.
O que pioraria o cenário?
O cenário pode piorar se os juros nos EUA permanecerem mais altos por mais tempo, o que manteria a pressão sobre as moedas emergentes e continuaria a atrair capital para os EUA, desvalorizando ainda mais o real.
Além disso, a incapacidade do governo brasileiro de controlar os gastos públicos pode levar a uma deterioração fiscal, aumentando o risco país e a aversão dos investidores. Por exemplo, se houver uma percepção de que o atual arcabouço fiscal não é sustentável e que será descartado, a antecipação de seu colapso pode gerar grande volatilidade nos mercados.
Vale a pena continuar investindo em ações?
Para o investidor de longo prazo, as ações são uma das principais formas de conseguir retornos superiores à renda fixa. Mas fazem isso através do chamado “prêmio de risco”, que nada mais é que uma recompensa em retorno pelo risco maior de se investir na renda variável.
Desde a criação da Múltiplos, nossas ações recomendadas têm entregado esse retorno acima da renda fixa e até mesmo do próprio índice Ibovespa, conforme Figura 5. Contudo, isso não impede meses ou até mesmo anos negativos, como 2022 ou o resultado até o momento em 2024, com queda de 2,97% contra -9,63% do Ibovespa.
Dito isso, quem está investindo para longo prazo e não tem intenção de resgatar o dinheiro das ações, pelo menos, nos próximos 10 anos, está diante de um cenário onde as empresas brasileiras estão extremamente subavaliadas, como podemos ver no indicador CAPE, índice de preço/lucro ajustado pela inflação. Ou seja, fazer aportes agora é comprar empresas em um momento relativamente barato.
Além disso, as ações escolhidas pela Múltiplos possuem maior qualidade que o mercado em geral, o que justifica a rentabilidade superior ao Ibovespa ao longo do tempo.
Em suma, temos argumentos favoráveis para o aporte em ações pensando a longo prazo. Porém, os riscos citados anteriormente permanecem e é impossível prever o movimento do mercado no curto prazo.
Gestão de risco é essencial, isso quer dizer que estar investindo no tamanho adequado à sua tolerância ao risco é fundamental para ser um investidor ser bem-sucedido e ter tranquilidade nos investimentos.
Além disso, o fator diversificação é crucial para lidar com os maus momentos do mercado. Por exemplo, ponderar a exposição em ações com ativos dolarizados, como ações americanas, bitcoin e ouro, ajuda o patrimônio investido a ter maior consistência e proteção em caso de piora no cenário econômico e político brasileiro.
Eleições Americanas: as semelhanças de Biden e Trump
O cenário eleitoral de 2024 nos Estados Unidos está dominado pela disputa entre Joe Biden e Donald Trump, dois candidatos com visões políticas distintas, mas que compartilham algumas semelhanças em decisões econômicas e geopolíticas.
Ambos enfrentam críticas por sua indisciplina fiscal, o que pressiona a dívida pública americana e pode, eventualmente, desvalorizar o dólar no mercado global. Essa situação fiscal delicada coloca ainda mais pressão sobre o Federal Reserve (FED), o banco central americano, que se torna uma peça-chave na definição dos rumos da economia global.
Joe Biden, apesar de adotar uma postura mais comedida, manteve muitas das restrições comerciais impostas por Trump à China. Sua política externa segue um caminho avesso ao regime chinês, preservando as sanções e as barreiras tarifárias que foram características da administração anterior. Isso demonstra uma continuidade na desconfiança em relação à China, refletindo uma preocupação bipartidária com a segurança nacional e a integridade das cadeias de suprimentos. Biden, no entanto, busca fortalecer alianças e manter uma postura mais diplomática em comparação ao seu rival republicano.
No âmbito fiscal, tanto Biden quanto Trump demonstram uma tendência expansionista, com políticas que aumentam o déficit público. Biden promoveu pacotes de estímulo econômico e investimentos em infraestrutura, enquanto Trump focou em cortes de impostos e despesas militares. Essa indisciplina fiscal tem aumentado significativamente a dívida pública dos Estados Unidos, que já ultrapassa 100% do PIB. A manutenção de déficits elevados e o custo crescente da dívida, especialmente com as taxas de juros mais altas, geram preocupações sobre a sustentabilidade fiscal a longo prazo.
O Federal Reserve, portanto, assume um papel ainda mais crucial na definição do impacto da economia americana no cenário global. Sendo o guardião da moeda mundial, suas decisões sobre as taxas de juros são observadas de perto. O foco dos mercados não está apenas nas políticas econômicas dos candidatos, mas principalmente nas ações do FED.
A questão que paira sobre os mercados é quando e em que medida o FED irá cortar as taxas de juros. A expectativa é que qualquer ajuste possa ter repercussões significativas nos fluxos de capital global e na estabilidade econômica de mercados emergentes, como vimos ao longo deste relatório em relação ao Brasil.